Durante os dias corridos de TIFF, entre o trabalho e os filmes que assisti, eu pensava o quanto ia escrever textos e mais textos sobre a experiência de trabalhar no maior festival de cinema da América do Norte. E quando sentei para começar a elaborar sobre tudo me deu um branco, me senti overwhelmed…
Será que deveria começar falando sobre a história do TIFF? Que começou em 1976 como o “Festival dos Festivais” e diferente de Cannes e Veneza onde as sessões dos filmes são exclusivas para a mídia, jornalistas e críticos, o TIFF é um festival aberto para o público pagante. Como disse a Tilda Swinton no Q&A (perguntas e respostas após a exibição do filme) de The Eternal Daughter, “mostrar um filme em Toronto é completamente diferente dos outros festivais, aqui a sensação é de estar exibindo o filme pela primeira vez”, Tilda veio direto de Veneza para cá com a diretora Joanna Hogg, sua amiga de infância. E apresentar um filme aqui, para os produtores, diretores e artistas, é ver em tempo real a reação do público, deve ser massa pra eles, né? (Quando o filme é bom, porque no filme do Harry Styles as pessoas estavam rindo de constrangimento). My Policeman é um filme sem camadas ou nuances, nem mostrar a bunda do maior popstar do momento salva. E quando ele entra no elevador quem segura essa bolsinha da Gucci é o assistente dele.
E será que além de falar sobre a historia do Festival eu deveria falar sobre a minha? Desde 2018 participo do TIFF - que antes de me mudar para o Canadá nunca tinha nem ouvido falar - comecei apenas como audiência, depois como voluntaria e agora já fazem 4 anos que participo do festival sendo paga (delícia).
Quando releio o que escrevi, a vontade é de deletar tudo e começar do zero. E por onde começar a escrever a história que quero contar?
Esse não é um texto jornalístico, não preciso me prender a amarras técnicas ou me focar apenas em dados – foram 10 dias de festival (8 – 18 de Setembro) e mais de 200 filmes exibidos, dos quais eu assisti 22. Acho que o que eu quero realmente dizer não cabe em linhas, pois é uma sensação de ter sobrevivido. Resistimos a uma pandemia e estamos aqui juntos, nesse teatro, vivendo essa experiência individual e coletiva ao mesmo tempo. Escapamos por algumas horas assistindo e consumindo a criatividade de outros artistas por meio dessa tela grande. As nossas próprias histórias se espelhando e se entrelaçando com as cenas possíveis através da luz, pois sem luz não tem frame, não tem imagem, não tem filme, não tem movimento, não tem nada.
O público elege por voto popular o melhor filme. O resultado sai sempre no último dia do festival, domingo de manhã, e o vencedor é exibido gratuitamente no mesmo dia. Conseguir o ingresso para a sessão é que é difícil, esse ano os ingressos esgotaram em 3 minutos. The Fabelmans ganhou - o filme autobiográfico do Spielberg. Muitas pessoas reclamaram e torceram o nariz por não ter sido o filme de uma mulher ou pessoa de cor, já que esse ano teve uma programação tão diversa (fica para a próxima).
The Fabelmans mostra Sammy (o avatar do Spielberg) se apaixonando pelo cinema, enquanto a família dele se desfaz. Em uma cena o tio dele fala “A vida não é nada como nos filmes”, mas no caso do Spielberg talvez seja sim, porque ele passou os últimos 50 anos mostrando histórias extraordinárias que nos atingem profundamente e ficaram cravadas lá no fundo do nosso ser (E.T. no meu caso).
Outro filme que é uma ode ao cinema, é Empire of Light, de Sam Mendes. Esse eu consegui assistir na sessão premium, onde estavam presentes Sam (muito íntima), o elenco, a produtora envolvida em todos os filmes dele e que eu não lembro o nome e o diretor de fotografia Roger Deakins - esse é o quinto trabalho dos dois diretores juntos.
O filme tem um quê de autobiográfico também, já que a personagem da Olivia foi baseada na mãe do diretor que sofria com transtornos mentais. E o “Empire” é o cinema que Sam Mendes frequentava quando adolescente e foi recriado direto da sua memória para o filme.
Sam Mendes introduziu ao palco de forma única e atenciosa cada um ali presente, disse que tinha uma crush em Olivia Colman, que a mãe da Tanya Moodie tinha vindo de Ottawa só para a estreia, e que teve o prazer de dirigir Michael Ward antes dele se tornar uma estrela internacional. E quando chamou Sir Roger Deakins disse “ele é um pouco rockstar, isn't he?" e a plateia vibrando concordou.
A foto péssima que eu tirei da Rainha, vulgo Olivia Colman.
Em ambos os filmes, os diretores borram - delicadamente - a linha entre a vida e os filmes no geral, que é o que geralmente nós, como audiência, também fazemos quando as luzes se apagam e a tela se ilumina.
Divino texto. A experiência de quem ama cinema ou faz cinema de ver a olhos da alma o q realmente o público amou, assistiu, chorou ou odiou na tela. Parabéns pelas belas e sinceras palavras
Parabéns por mais um lindo texto, Branca!