Um boa letra de música é tão gostosa de ler/ouvir quanto um livro interessante. Não foi por acaso que Bob Dylan ganhou o Nobel em literatura em 2016 por "ter criado novas expressões poéticas dentro da grande tradição da canção americana". Foi um prêmio controverso, afinal música é literatura? Creio que o poder de contar uma história e tocar o outro é o mesmo. Quantas músicas viraram filme? Quantos videoclipes conseguem emocionar como um longa-metragem?
Adoro esse do Arcade Fire dirigido pelo Spike Jonze (2011)
Paul McCartney lançou o livro The Lyrics em 2021, contando as histórias das suas músicas em dois volumes (ganhei de aniversário da minha cara-metade e ainda não tive coragem de abrir).
Paul diz que se não tivesse se tornado músico, provavelmente teria sido professor de inglês. Ele tem boas lembranças do professor que o ensinou o valor da leitura atenta. Quando ele escreveu as músicas com John Lennon, os acordes e a melodia vieram primeiro (quem assistiu ao documentário Get Back observou maravilhado esse processo criativo como se estivesse compondo junto com os Beatles pelo simples fato de as músicas estarem encravadas no nosso cérebro desde sempre).
Mas as palavras também importavam.
Onde as primeiras letras diretas e sem ironia cortejavam seu público por meio de uma enxurrada de pronomes - She Loves You, From Me to You, Please Please Me, etc - as letras posteriores aspiravam à poesia. Inúmeras biografias traçaram as origens das canções dos Beatles, mas esse livro mostra a versão do próprio Paul.
Nos dez episódios do podcast da BBC - Paul McCArtney : Inside the Songs, o ex-Beatle discorre sobre dez músicas da sua carreira. Eu particularmente amo o episódio da música “Got to get you into my life” (do álbum Revolver, de 1966) que ele define como "minha ode à maconha". E quem estava presente na primeira vez que Sir Paul fumou um? Sim, o laureado Bob Dylan.
Ooh, then I suddenly see you
Ooh, did I tell you that I need you
Every single day of my life?Got to get you into my life (got to get you into my life)
Got to get you in, got to get you into my life (my life)
Got to get you into my life (got to get you into my life, yeah)
Got to get you into my life
Surra de Links:
Artigo que romancista Rachel Cusk escreveu para o NYT sobre o que torna a escrita de Annie tão chocante, o título é Annie Ernaux quebrou todos os tabus sobre o que as mulheres podem escrever. Aqui um trecho: "Apesar das diferenças - de nacionalidade, geração, classe social, situação familiar - entre minha própria vida e a de Annie Ernaux, me vi mergulhando, enquanto a lia, em um estado de reconhecimento cada vez mais profundo. No entanto, o que parecia estar reconhecendo eram coisas que ninguém geralmente admite. A honestidade de Ernaux teve o efeito de iluminar uma profunda e insuspeita falta de liberdade em seu leitor. Como, através da simples história de suas origens, ela colocou sua mão com tanta certeza na tragédia humana de nossa capacidade de nos tornarmos presos? A resposta talvez esteja em sua fé na escrita como uma atividade sagrada e transcendente. Ela acreditava na escrita como alguns acreditam na religião, como uma esfera onde o eu e a alma, tem direito de encontrar refúgio"
E outro:
"A misoginia, o ódio mais antigo de todos, brinca de gato e rato com essa ilusão de geração em geração, a ponto de poder dizer que a experiência da misoginia, tanto privada quanto pública, quase se tornou um estado subjetivo. Se ainda é difícil para as mulheres fazer arte sobre suas próprias vidas, é porque a feminilidade ainda não tem um lugar estável na cultura. Ernaux reconheceu e armou, por assim dizer, a subjetividade forçada da voz feminina. Seu mecanismo de honestidade é altamente confiável - mas a honestidade, como certos talentos, não é herdada pela próxima geração"
"Claro que eu estava com medo, meu batimento cardíaco reverberando na boca do estômago. E não tenho mais idade para esse tipo de susto: corro o risco de ter uma arritmia, ou mesmo uma angina" - conto de Mariana Enriquez para a The New Yorker, o entrançado de palavras da autora sempre me fascina e assusta.
Se você também adora os diálogos e personagens absurdos de Succession, a história do verdadeiro Logan Roy - Rupert Murdoch é ainda melhor, com mais filhos, mais dramas, mais ex-mulheres, mais dinheiro, mais deals. Indico a matéria longa e detalhada da Vanity Fair sobre o the real OG. (Reza a lenda que um dos filhos do Murdoch vaza informações para os roteiristas da série).
Weyes Blood tocando Andromeda no Tiny Desk. Fui no show aqui em Toronto e ganhei o álbum delicinha Titanic Rising de uns amigos queridos que me apresentaram a banda <3
"Andromeda's a big, wide open galaxy.
Nothing in it for me except a heart that's lazy"
Episódio do Rádio Novelo "15 minutos de fama” - falando sobre a notoriedade inesperada, indesejada e passageira em três histórias diferentes.
Obrigada por ler até aqui!
Toda semana um textinho novo surge na sua caixa de entrada (o dia pode variar, por motivos de autora instável).
Que tal dividir esse conteúdo com os seus?
Excelente texto, Branca! Parabéns!🌹
Meus Deus, esse texto saiu de mim, tenho certeza. A realidade posta aqui é incrível.