Alho poró vai em tudo (purê, arroz, molho para carne), cogumelos, meio pimentão, cebola, não coloco alho, caldo de legumes, deixo no fogo até ficar tudo molinho, bato no liquidificador e voilá habemus sopa. Sopa abraça nos dias frios, é almoço apressado em dias quentes, e durante a semana é o melhor jantar. E dá pra fazer com qualquer legume disponível na geladeira, praticidade sempre. Pode e deve-se adicionar pedaços de batatas pra mastigar ou macarrão, eu gosto daquele miúdo que parece uma concha - quando ficam boiando na superfície parecem até com os búzios enfiados na areia à contraluz.
Gosto de ouvir música ou ficar em silêncio, organizando a preparação do que vou servir mentalmente, depois corto os legumes, coloco na panela, mexo, espero e acalmo.
Quando tenho visitas olhando o que estou fazendo, não gosto. Quero fazer tudo o mais rápido possível, não curto o momento, faço para servir logo e depois que os convidados terminam e tecem elogios quero colocar toda a louça suja na máquina, tenho ânsia em terminar. O coração até acelera querendo fazer as coisas o mais rápido que der. E pra que? Qual a linha de chegada invisível que eu quero atravessar? A ansiedade provavelmente vai me levar a um infarto prematuro.
Comecei dezembro com uma auto-consciência e crítica sobrenaturais. Passou um raio, um flash na minha vista de tudo que andei fazendo e do meu percurso até aqui, até ser essa pessoa que escreve no metrô para publicar em uma newsletter (já perdi muita parada escrevendo ou lendo).
Tem tanta coisa que quero mudar, como me comunico, o jeito que lido com as coisas que não posso mudar, quero ser melhor… E o que eu tenho agora? Eu tenho uma receita (escrita à punho) de herança da minha avó, bolo mole de queijo, todos suplicam por essa receita, mas ela é só minha, unicamente. Toda vez que vou fazer esse bolo fico feliz ao ver a letrinha dela ali, ela comigo. E descobri que bolo é memória e presente - na feitura, no aroma e na partilha.
Comecei a praticar a mudança (compaixão) radical recente e me sinto… diferente, mais estável - não deixei o tsunami me levar, treino a paciência. Mas e aí, o que aconteceu de fato? Nada… a vida, misteriosa e banal.
Creio que algumas revoluções sejam internas mesmo. Às vezes consigo capturar a mesma insurreição no outro, em um glimpse de olhar. Quem presta atenção, percebe. Reflito tudo isso, enquanto mexo a sopa e decido que ela precisa de mais sal.
Poema da amiga e poetisa Ana Elisa Granziera
Links e Links:
Nossa história não é uma linha ascendente constante de sucesso e glória
O cérebro muda durante o ciclo menstrual (ciência confirma o que a gente já sabia)
Quantas vezes você chora por mês? (eu: perco as contas)
Amei seu texto e como amo uma sopa mesmo morando em Salvador que não é muito afeita a comidas que aquecem senti que foi um plus.
É incrível ter consciência e querer mudar-se só por causa da consciência! Acho super maduro, atitude de gente superior, muito acima da média! Para mim foi preciso um trauma. E dos grandes. Só depois do trauma, veio a consciência e a necessidade interna da mudança! Por isso, palmas para ti! A única coisa que me atrevo adicionar é que a mudança é interníssima, até parece que há vergonha em termos sido diferente e que ela traz calma, paz interior e certezas. A grande diferença entre a mudança por vontade e consciência da que acontece por trauma ou necessidade são as suas consequências. No primeiro caso, será sempre uma mudança positiva que vai ao encontro de uma melhoria. No segundo, há que ter sorte porque as consequências de um trauma podem ser devastadoras! Assunto interessante! Bora conversar mais sobre isso? Beijo grande