Mulheres Conversando
Reclamando, incomodando, irritando, almejando, apoiando; Mais mulheres; Coisas Bonitas
Em entrevista para a revista Vanity Fair, a diretora Sarah Polley contou que tem viajado muito para os Estados Unidos ultimamente (ela mora aqui em Toronto) e nessa nova rotina, tem vivido o que chama de “a maior revelação” da temporada de premiações.
Ela se aproxima de um funcionário da alfândega - literalmente todas as vezes - um homem - e declara o objetivo da viagem: “um evento para o meu filme, senhor”.
Ele pergunta o nome do filme, e ela revela o título: Women Talking, em tradução literal Mulheres Conversando. Corta para o oficial revirando os olhos, e grunhindo “não preciso mais disso na minha vida”.
Depois de passar pelo mesmo procedimento mais de 20 vezes, Polley meio que surtou no Aeroporto de Boston.
“Se eu dissesse que o nome do filme é 12 Homens Raivosos, você iria vê-lo?
'Talvez'.
“Bem, eu só quero que você fique pensando nisso”.
“Você quer conversar?”
“Não, eu quero entrar no país! Eu só quero que você pense no que disse! - Eu estava gritando enquanto continuava andando - e simplesmente fui”.
Eu tenho o sincero sentimento de que só mulheres apoiam mulheres, só mulheres entendem mulheres e só mulheres leem e consomem o que outras mulheres produzem. Cada vez que embarco em uma história idealizada por uma mulher me vejo um pouco ali, porque é tão fácil se conectar com aquilo.
A sutileza com que Sarah Polley retrata a resiliência das mulheres da colônia menonita (uma comunidade cristã agrícola que rejeita o mundo moderno, bem parecida com os Amish) que foram estupradas por seus maridos, filhos e conhecidos durante anos é algo assombroso.
O filme é baseado no livro homônimo da autora canadense Miriam Toews (ex-Menonita), que é baseado em uma história real.
A história real dos estupros ocorreu em uma colônia na Bolívia onde um grupo de homens foi preso em 2009. Eles foram condenados por estupro e abuso sexual de 151 mulheres, meninas e crianças. As mulheres eram dopadas, enquanto dormiam, com uma substância extraída de plantas tropicais, utilizada para anestesiar touros. Os homens borrifaram essa substância pelas janelas do quarto antes de entrarem. O efeito é dramático, especialmente na memória. Alguém pode até saber que algo terrível aconteceu, mas não consegue lembrar. Ou, ela pode deixar a pessoa impotente, incapaz de reagir. (Informações e trechos retirados dessa matéria da BBC).
Pegando o gancho desse caso, o que Miriam Toews ficcionaliza no livro é a decisão das mulheres da comunidade que foram violentadas e agredidas. O que fazer agora? Ficar, fugir ou lutar?
O filme não foi um destaque de bilheteria, mas foi indicado ao Oscar de melhor filme e roteiro adaptado. Infelizmente Sarah Polley não foi indicada a melhor diretora, sabe-se lá porque né (só homens nessa categoria mais uma vez). O nome do filme no Brasil ficou “Entre Mulheres”, um pouco menos assustador do que “Mulheres conversando”? Em uma época onde existe um coach que dá dicas de como ser misógino e ameaça mulheres de morte e depois diz que foi tirado de contexto, nós, precisamos continuar ocupando espaços, conversando, opinando, incomodando, reclamando, sendo. Mesmo quando nossa liberdade é restrita, nossos direitos violados e nossos corpos usados, continuaremos fa-lan-do.
Ano passado, Sarah Polley publicou um livro de memórias e eu tive a sorte de ouvi-la pessoalmente em um evento literário, ela leu um trechinho e depois autografou alguns exemplares. Eu tinha assistido ao filme recentemente no TIFF, onde ela também estava presente e respondeu algumas perguntas após a sessão. Eu a achei extremamente generosa por estar em um evento em que nem precisava ter participado (geralmente os talentos só participam da primeira exibição do filme no festival - são as sessões premium, e esses ingressos são mais concorridos e também mais caros) e contei isso para a própria ela assinou meu livro agradecendo meu suporte. Mulheres se apoiando.
Mais mulheres
Stories we tell - também escrito e dirigido por Sarah Polley, é um documentário profundamente pessoal sobre como nossas narrativas nos moldam e nos definem como indivíduos e famílias. O que é verdade? O que é memória? O filme analisa o relacionamento entre os seus pais atores, Michael e Diane Polley e revela que a cineasta foi produto de um caso extraconjugal entre a sua mãe e um produtor de Montreal - fato que ela só descobriu depois de adulta. Por aqui (Canadá) o filme está disponível na Netflix.
Retrato de uma jovem em chamas - Talvez o filme mais lindo que assisti em-toda-minha-vida. Eu tive que dar um tempo antes de sair da sala de cinema, pois minha cara ficou deformada de tanto chorar. Tem algo em falar sobre a restrição nas escolhas e desejos das mulheres que mexe demais comigo. Fiquei debatendo sobre com meu marido por semanas, ficamos desdobrando cada cena (principalmente o paralelo com o mito de Orfeu) e a intenção da diretora - Céline Sciamma é um ícone, um fenômeno, uma força sobrenatural, tudo que toca vira ouro.
A Ilha de Bergman - a diretora Mia Hansen-Løve mostra que as linhas entre realidade/ficção /projeto/fantasia se misturam facilmente, em um piscar de olhos. O filme conta a história de um casal de cineastas em um retiro criativo na ilha que inspirou Ingmar Bergman a escrever vários dos roteiros de seus filmes.
Coisas Bonitas
Esse papel de parede:
Essa edição:
Essa poesia:
“Eu tenho o sincero sentimento de que só mulheres apoiam mulheres, só mulheres entendem mulheres e só mulheres leem e consomem o que outras mulheres produzem. “ …
Leitura maravilhosa, Parabéns!