Chegou uma notícia boa que me tirou de um estado catatônico de espera e resultou em uma grande vontade de voltar a produzir, mas por onde começar?
Nos últimos meses estava sofrendo de um bloqueio onde minha escrita não queria sair, se recusava a desenvolver, entrou em greve.
O bloqueio criativo existe desde a invenção da escrita, mas o termo foi introduzido pela primeira vez na literatura acadêmica na década de 40, por um psiquiatra chamado Edmund Bergler. Ele estudou por duas décadas escritores que sofriam de “inibições neuróticas de produtividade” na tentativa de determinar por que estavam incapacitados de criar e o que poderia ser feito para resolver o problema - se é que tinha solução. Depois de conduzir várias entrevistas com escritores que sofriam de problemas criativos, ele descartou algumas das teorias populares da época. Escritores bloqueados não “se esgotam” de inspiração. Também não sofrem de falta de motivação externa. Então qual era a fonte do problema?
“Bergler argumentou que um escritor é como um psicanalista. Ele inconscientemente tenta resolver seus problemas internos pelo meio ‘sublime da escrita’. Um escritor bloqueado está, na verdade, bloqueado psicologicamente – e a maneira de ‘desbloquear’ é por meio de terapia. Resolva o problema psicológico pessoal e você removerá o bloqueio. Essa linha de pensamento é boa, mas vaga e cheia de suposições. Como supor que os escritores estão usando a escrita como meio de sublimação e que todos os problemas vêm de uma psique bloqueada? E o que é uma psique bloqueada, afinal?”
Enquanto lia o artigo da New Yorker sobre Writer’s Block tentava negociar com minha própria escrita:
“Podemos começar só com um poema ou um conto mais curto”
Não.
“Então um texto técnico sobre um assunto genérico?”
Não.
“Um comentário sobre um livro ou filme?”
Não.
“Uma linha e amanhã desenvolvemos o resto”
Não.
A diplomacia não funcionou e minha escrita se questionava cada vez mais qual o motivo da sua existência. Afinal, já tem tanta coisa boa por ai publicada, tanta gente bacana produzindo, porque continuar?
“O estudo com escritores bloqueados continuou nos anos 70 e 80 com os psicólogos da Yale University Jerome Singer e Michael Barrios. Eles acompanharam o progresso de escritores durante um mês, e descobriram que esses estavam infelizes. Os sintomas de depressão e ansiedade, incluindo autocrítica aumentada e a excitação e o orgulho reduzidos no trabalho, foram elevados no grupo bloqueado; sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo, como repetição, insegurança, procrastinação e perfeccionismo, também apareceram, assim como sentimentos de desamparo e ‘aversão à solidão’ - um grande problema, já que escrever requer bastante tempo sozinho”.
“Para não amofinar”, respondi.
Escrevo desde que brincava de cartunista dos estúdios Maurício de Souza e obrigava minhas primas a ficarem sentadas por horas criando histórias para o gibi da Turma da Mônica. Eu consigo organizar meu juízo escrevendo, a vida faz mais sentido como sugere Bergler. As histórias moram dentro da gente, afinal somos homo narrans ou não?
Vou contar uma:
Esperava o metrô na plataforma lendo um livro quando observei um jovem loiro e bem vestido irrequieto andando de um lado para o outro com os punhos cerrados. Os passos curtos e pesados ao meu redor foram me deixando apreensiva. Não adiantava me afastar, ele se aproximava sem parar em lugar nenhum apenas rondando. Quando o trem chegou já estava decidido, eu teria que fugir dessa pessoa e sentar o mais distante possível. As portas abriram e tentei correr para outro vagão. Não fui rápida o suficiente e em poucos segundos o portal fechou em mim, senti o impacto nos braços, mas consegui entrar com esforço. Tentei andar e percebi um peso no ombro, era minha bolsa presa. Puxei a alça com força, mas o objeto permaneceu imóvel. Daí surge o loiro vindo em minha direção, passos lentos de serial killer de filme teen, a luz piscando, o barulho do trem pegando velocidade, o vagão vazio... “É agora”, pensei e fechei os olhos com força. Então ele puxou minha bolsa com uma mão só, sem esforço e me entregou... Fiquei boquiaberta, sem conseguir agradecer.
Criei uma história de uma situação corriqueira. É boa, é ruim? Irrelevante, o crucial é se autorizar a criar. Tudo é ficção.
“Scott Barry Kaufman, psicólogo, diretor científico do Imagination Institute da Universidade da Pensilvânia diz: ‘Quando alguém sente um bloqueio de escritor, é bom continuar colocando as coisas no papel – ideias, conhecimentos, etc.’ Em 2009, Kaufman co-editou um volume chamado The Psychology of Creative Writing; durante esse processo, ele se convenceu de que se permitir ao erro é um passo essencial para superar os bloqueios na escrita. ‘Acho que é preciso confiar no processo de escrita. Entender que a criatividade requer a não linearidade e combinações associativas únicas. Pessoas criativas fazem muitas tentativas e erros e raramente sabem para onde estão indo exatamente até chegarem lá.”
E quando dei por mim, escrevi um texto.
Pra clicar:
trilha sonora da série mais cool e que me faz gar-ga-lhar Platonic
entrevista com o escritor Emmanuel Carrère na Quatro cinco um
na primeira vez em que passei o carnaval em Olinda, cheguei de mala e cuia, me perdi e no meio da muvuca não achava a casa na qual iria ficar hospedada. Cansada em um calor de matar sentei na sarjeta segurando meu travesseiro - na sacada da casa em frente sai Alceu Valença com microfone e caixa de som e começa "voltei Recife". Agora o cantor colocou o casarão histórico para aluguel se tiver algum interessado por ai.
Como encontrar quem a gente é? - texto da Fabi Guimarães
Alex Castro escreve sobre a importância da obra de Milan Kundera
Obrigada por ler até aqui!
Toda semana um textinho novo surge na sua caixa de entrada (o dia pode variar, por motivos de autora instável).
Que tal dividir esse conteúdo com os seus?
Até breve!
Adorei, Branca. Que bom que você voltou <3
Que texto esplêndido!❣️
Branca, você escreve muito bem. Amo os seus textos.