Ela tira minhas cutículas tão delicadamente que não existe diferença entre antes e depois. Como o alicate não é esterilizado, o mínimo é feito. As unhas são lixadas rapidamente, redondas para quebrar menos e durar por um período mais longo. Escolho um vermelho fechado para esmaltar, fazia tempo que não usava essa cor matronal. Tem dias que a gente quer incorporar uma personagem e o figurino faz parte (papel de uma mulher que não rói as unhas).
O salão foi reformado recentemente, o piso imita um mármore branco rajado e as luzes também mudaram, agora parece mais espaçoso.
Elas trabalham todos os dias do ano, só fecham durante o Natal.
Elas falam a mesma língua, e tem o mesmo chicote nela.
Noto que ao prestar um serviço, elas não estão à serviço. Estão ali exclusivamente para fazer o que tem que ser feito, não existe tempo a perder, dar conselhos ou entrar em conversas mais terapêuticas estão fora da alçada. A linha de montagem não pode parar, sai uma, entra outra.
O domínio é prático.
Enquanto lia meu livro ouvia trechos entrecortados da conversa ao lado, “já perdemos tempo demais com você hoje”, a cliente/produto não sonha em rebater. Depois a manicure fala com a outra que está ao seu lado na língua materna que só elas compreendem, com certeza reclamando do inoportuno.
A conversa continua, “qual cor é a mais popular aqui?”, a resposta não foi das mais reconfortantes, “depende, tem gente que gosta de vermelho, marrom, depende, tem muitas cores aqui, muitas opções”. Resumindo: não vou escolher ou fazer por você, te vira. Depois dessa, eu soltei um risinho abafado que pareceu ser resultado de algo que tinha lido, um trecho engraçado, ninguém pareceu perceber.
Eu já entendi o roteiro dessas mulheres, a linha de produção apresenta eficiência porque se efetiva em etapas, com padronização e período definido. Você chega diz o que quer, faz, paga, dá gorjeta, e vai embora. Uma valsa que elas lideram e apenas sigo, se mudar a ordem alguém acaba pisando no pé de alguém. Termino meu serviço, fico satisfeita (mesmo com as cutículas cheias) e vou embora esperando que o resultado do meu bom comportamento tenha sido o silêncio dessas mulheres que mandam no próprio território.
Maravilhoso . Um cotidiano contado com tamanha transparência
Amei esse conto💖